Prefácio: MARIA BERENICE DIAS
APRESENTAÇÃO
Diante dos inúmeros arranjos afetivos existentes e
vislumbrados no âmbito familiar, optamos por reunir os principais temas sobre
os quais pairam polêmicas e debates, desafiando as áreas mais afeitas ao
assunto. Convidamos profissionais ligados à Psicologia e ao Direito,
de Portugal e de onze estados do Brasil, das mais diferentes universidades,
para efetuarem suas considerações e comentários acerca da controversa temática.
O Direito reconhece o afeto, sentimento tão valorizado
há muito na área da Psicologia, ostentando
a base, a estrutura da família. Esta relação de afeto assume um dever recíproco
entre os membros de toda união afetiva identificada como família, de
conformidade com seu papel, gerando responsabilidades e atribuições sociojurídicas.
O afeto se expressa na solidariedade, na parentalidade
responsável, na socioafetividade, no melhor interesse da criança e do
adolescente, na assistência, no respeito, no cuidado, na responsabilidade e em todas
as afetações pelas quais os sujeitos inseridos neste núcleo são atravessados.
As diferentes escritas de múltiplas vozes científicas
se manifestam nesta obra favorecendo ricos diálogos entre o Direito e a
Psicologia, possibilitando ao leitor encontros técnicos afetivos que
certamente, promoverão olhares outros diante dos seus paradigmas sobre a
família. Estas conversações em forma de escrita emergiram com o intuito de
diminuir uma lacuna importante entre as duas ciências na tentativa de
contribuir para a urgência de novos estudos e fazeres nas práticas que se
referem aos cuidados e direitos das famílias.
As contribuições do Instituto Brasileiro de Direito de
Família no reconhecimento de direitos na área de família constituem um marco
inigualável, podendo-se delinear o direito de família antes e depois da
efetivação do IBDFAM, em 1997. IBDFAM
foi imprescindível para encabeçar as
mais complexas lutas, vencidas, principalmente, graças a contribuição do grupo
formado por advogados, juízes, desembargadores, promotores, procuradores de
Justiça, defensores públicos, psicólogos, psicanalistas, assistentes sociais, agentes do Direito, pesquisadores obstinados
em prol do afeto, que se tornou sua principal bandeira. O seu fortalecimento
proporciona a divulgação dos estudos e conhecimentos sobre o direito das
famílias para a sociedade, contribuindo para demandas e decisões mais
consentâneas com a realidade.
Tereza R.Vieira,
Valéria S. Galdino Cardin e Bárbara C. C.B. Brunini
São Paulo, inverno de 2017.
PREFÁCIO
Ninguém duvida da influência e responsabilidade do
IBDFAM Instituto Brasileiro de
Direito de Família,
pelo papel, na
significativa revolução ocorrida
no ramo mais sensível do direito: o Direito das
Famílias, como prefiro chamar.
A sociedade
sempre tentou, sem
sucesso, engessar a
forma pela qual
as pessoas deveriam viver e amar.
Historicamente e hoje, esta resistência é acompanhada pelo legislador, que tem
enorme resistência em flexibilizar este naco do direito no tangente às relações
interpessoais, no âmbito privado.
Não adiantou muito o esforço de várias Constituições
em proclamar que o casamento era indissolúvel. Isto nunca foi verdadeiro. Apesar
de, por décadas, a lei punir quem ousasse descumprir os deveres matrimoniais;
se relacionasse com uma pessoa casada e até
quem era fruto
de um relacionamento extraconjugal. Tais
interdições, mesmo produzindo
severas injustiças, não dissuadiram ninguém de buscar a felicidade que não mais
encontrava junto ao seu cônjuge. Afinal, não há mesmo motivo para alguém se
submeter ao significado etimológico da expressão cônjuge, que vem do latim cum
jugo: peça de madeira ou arreio que mantém juntos os bois que puxam uma
carroça. Não há e nunca houve
como obrigar os noivos a cumprirem a promessa feita no altar de
permanecerem juntos na pobreza, na tristeza e na doença, até que a morte os
viesse separar.
Antes do divórcio, havia o desquite, figura que mudou
de nome, mas manteve o mesmo conceito.
O desquite e
a separação rompiam,
mas não dissolviam
o vínculo do casamento. Ambos desobrigavam o
cumprimento dos deveres matrimoniais, sem, no entanto, permitir novo casamento.
Sabe-se lá qual o significado da mantença desta distinção por
tanto tempo, que,
felizmente, acabou com
a Emenda Constitucional 66/2010. Apesar de algumas resistências isoladas, a
separação é um fato sepulto.
A rigidez legal e o conservadorismo social foram
atropelados quando do avanço dos direitos humanos, que priorizaram a qualidade
de vida das pessoas.
Passou-se ao primado da afetividade, que se
transformou no elemento identificador das relações interpessoais. Certamente
que este é o grande legado do IBDFAM, ao ajudar desatrelar o conceito de
família do instituto do casamento.
A esta mudança
foi sensível a
Constituição da República
de 1988, ao
esgarçar o conceito de entidade
familiar para além da tríade: casamento, sexo e reprodução. Não é demasia dizer
que, ao equiparar casamento e união estável, reconhecendo ambas como merecedoras da
mesma e igual
proteção, a Constituição
viu o afeto
como parte indispensável nesta
lide em busca da felicidade.
O fenômeno
que permitiu a
valorização da subjetividade, a
ponto de debelar
o formalismo legalista, contou com o afluxo das ciências psicossociais,
que emprestaram seu colorido multifacetário à forma de se perceber o
direito.
As partes deixaram
de ser vistas
como ocupando posições
opostas para serem percebidas como pessoas vulneráveis,
que ainda mantém entre si vinculações subjetivas, encharcadas de
ressentimentos, culpas, mágoas e, no mais das vezes, uma enorme sede de
vingança, disfarçada em desejo de justiça.
A
interdisciplinaridade chegou com
tal vigor que
ensejou o reconhecimento da afetividade como um dos princípios
norteadores do Direito das Famílias.
A guarda compartilhada foi um dos primeiros frutos
desta reviravolta. Deixou de ser uma forma de convívio estabelecida
amigavelmente pelos pais, transformando-a em uma imposição, mesmo quando existe
um estado de beligerância entre eles.
Esta
conflituosidade permitiu que
estudos psicológicos e
avaliações sociais identificassem
a presença do que se passou a chamar de alienação parental, a dar ensejo edição de legislação especial sobre este
tema.
Surgiu o conceito de filiação socioafetiva, descolada
da verdade real, biológica, ou registral, já tendo sido reconhecida, de forma
vinculante, pelo Superior Tribunal de Justiça como sendo o vínculo parental
prevalente.
Daí para o reconhecimento da multiparentalidade foi um
passo. Afinal, se o amor não tem limites e mais pessoas assumem os deveres
decorrentes do poder familiar, nada justifica deixar de impor obrigações a
todos que desempenham tais funções.
Passou-se a falar em ética do afeto, transformando o
dever de convívio em obrigação de cuidado.
O reconhecimento do
abandono afetivo como
gerador de obrigação indenizatória foi outra das
sequelas, mais do que positivas deste casamento, este sim indissolúvel entre a ciência jurídica, as ciências sociais
e todos os demais ramos das ciências
voltados aos aspectos psicológicos e laços de vivência interpessoal.
Foi a importância
da interação entre
Famílias, Psicologia e
Direito que levou
as visionárias Tereza Rodrigues Vieira, Valéria Galdino Cardin e Bárbara
Brunini a organizaram esta obra que traz as mais importantes figuras da
atualidade que não tem medo de ver a realidade da vida.
Os inúmeros aspectos que envolvem as relações
familiares são abordados sob as mais diversas óticas, com olhares diversos, mas
com a mesma preocupação de analisar tantos temas polêmicos sob a ótica da
ética, sem esquivar-se dos novos rumos que a própria sociedade, no seu mutante
estado, acabou por fazer-se real.
Maria Berenice Dias
Advogada
Vice-Presidente do IBDFAM
Presidente da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero
da OAB
www. mbdias@terra.com.br
www.mariaberenice.com.br
www. direitohomoafetivo.com.br
www.estatuto diversidadesexual.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário